Com todo o respeito que me merece a religião católia, que na realidade não me merece respeito nenhum, mas isso não vem ao caso, é preciso admitir que essa ideia do “olho por olho, dente por dente” está mais que estafada e não funciona!
Há uns dias, ia eu de carro com uma das minhas irmãs, vimos um cão a caminhar ao longo da estrada a escorrer sangue de um olho e de outros sítios. Enquanto ela fazia inversão de marcha, aproximei-me do cão; estava num estado lastimoso e nem imagino as dores que devia ter. Enquanto fazíamos o cão entrar no carro, apareceu um casal jovem que vinha a seguir o rasto de sangue. Disseram-nos que tinham ouvido um tiro, que foram ver o que era e encontraram uma poça da sangue e um cartucho vazio (mostraram um objecto de plástico que seria o tal cartucho), seguiram o rasto de sangue e ali estavam.
A tentação de partilhar indignações, de rogar pragas à besta que disparou o tiro, desejar-lhe tanto ou pior sofrimento do que causou... era grande a tentação!
Mas o cão sofria e urgia levá-lo a um veterinário, trocámos contactos e combinámos que eles se encarregariam de participar à GNR.
Mais tarde, limpei do corpo as manchas de sangue mas não consegui limpá-las de mim. Mancham-me a alma para sempre! Quanto à criatura que disparou o tiro, não lhe desejo mal, nem sofrimento, nem que lhe façam o mesmo que ela fez ao cão. Gostaria, oh sim, como gostaria, que ela pudesse compreender nem que fosse uma fracção do sofrimento que causou.
A causa dos maus tratos, do abandono, da indiferença está na incompreensão profunda do ser animal e isso nem todos os tiros do mundo podem resolver. Lembro-me de uma frase que diz para sermos a diferença que queremos ver no mundo - isso é tudo o que podemos fazer.

Os Resistentes

Há mais de sete meses que não escrevo… Muitas coisas aconteceram, muitas mudanças… Um dia conto.
Agora estou a morar no Algarve com a Spring, o Manuel e o Talibocas. (A Girassol deixou-nos em Maio!)
Nestes tempos de crise económica, vamos conseguindo sobreviver. Aguentamo-nos. Somos uns resistentes!


eu e Spring este Verão

A Importância da Sociabilização


Imaginem que um banco oferecia taxas de juro extraordinariamente altas para todos os depósitos feitos durante um determinado período de tempo. Não só correríamos a depositar todas as nossas poupanças, como pouparíamos activamente visto os juros serem tão altos. Em vez de ir ao cinema ou jantar fora, depositaríamos o dinheiro do cinema ou do jantar, sabendo que com os dividendos poderíamos ir ao cinema e comer fora durante o resto da nossa vida. Afinal, os juros são tão grandes que compensam todos os sacrifícios que façamos!
Se transportarmos esta ideia para o mundo dos cães, compreenderemos o que é a sociabilização.
A sociabilização é um período de tempo em que os cães estão altamente receptivos a aceitar os estímulos exteriores como naturais; é quando se define o que é habitual para o cão. Fora deste período, os estímulos estranhos podem causar medo e ser problemáticos. É como se a taxa de juros baixasse para níveis mínimos e, para receber o montante equivalente de juros, tivéssemos de depositar dez vezes mais dinheiro.
Claro que as metáforas financeiras são fáceis de entender, afinal lidamos com dinheiro todos os dias e fazemos contas todos os meses. Pelo contrário, a socialização canina é um conceito pouco divulgado; quando dizemos aos amigos que temos um cachorro é provável receber dez conselhos tipo “tens de lhe mostrar que tu é que mandas” para cada conselho sobre a importância da sociabilização.
Sociabilizar um cachorro é investir no futuro. É aproveitar o tempo que decorre entre a terceira semana de vida e, sensivelmente, os 4 meses para preparar o cão a enfrentar sem medo todas as situações futuras. Os frutos da socialbiização são vitalícios e, se pensarmos que o cão nos vai acompanhar durante cerca de dez anos, compreendemos bem a metáfora dos juros bancários: são mesmo muito altos!

Métodos

O Senhor Ian Dumbar, que muito admiro, diz que treinar cães é ensinar-lhes inglês como segunda língua. Acho esta frase muito interessante, primeiro porque tem piada, depois porque realça a importância da comunicação lembrando-nos que nós e os cães não falamos a mesma língua e que é necessário fazer um esforço para comunicarmos eficazmente com os cães.
Pode parecer básico, mas nem imaginam a quantidade de pessoas que não só acham que os cães têm a obrigação de fazer o que elas mandam, como pensam que eles percebem expressões como “senta”, “não” ou “vem aqui”.
Apesar de toda a minha admiração pelo trabalho do Senhor Dumbar, eu diria que treinar cães consistem em convencê-los a escolher fazer o que queremos que façam.
Há duas maneiras de o fazermos;
- Ou fazes o que digo, ou és castigado;
Ou
- Se fizeres o que te peço serás recompensado.
Apesar da segunda opção ser muito mais simpática que a primeira, tendemos a escolher o método negativo. Porquê? Porque é tradicional!
Não só a teoria de treino de cães se tem baseado neste método ao longo dos últimos anos, como foi assim que fomos ensinados e tratados pelos nossos pais, professores, patrões, chefes…
Lembro-me de ser castigada pelos meus pais, de levar reguadas na escola primária e, quanto ao trabalho, nem imaginam a quantidade de horas extraordinárias não remuneradas que trabalhei porque tinha medo que o meu contrato não fosse renovado…
É natural e humano tratar os outros, sejam filhos, empregados ou cães, da mesma maneira como fomos tratados.
Mas a ciência evolui e os comportamentos mudam. Hoje nenhuma criança é fisicamente punida na sala de aulas, acabaram-se as reguadas, as orelhas de burro, o ficar no canto a olhar para a parede e outros requintes de crueldade com que os professores nos brindavam. Os pais que pedem ajuda profissional para resolver os problemas com as crianças são aconselhados a incentivarem e a recompensarem os bons comportamentos: comes a sopa toda, podes comer gelado; manténs o quarto arrumado toda a semana e no domingo levo-te ao parque.
Talvez chegue o tempo em que os nossos chefes digam, fazem horas extraordinárias, são pagos a dobrar!
Piadas à parte, acredito que o tempo dos cães está a chegar, o método positivo dá tão bons resultados que só uma grande dose de ignorância pode justificar que alguém opte pelo método tradicional.
Mas o método tradicional não funciona? Funciona. E os cães obedecem? Sim, obedecem. Então, porquê mudar?
Porque a ciência diz que os cães aprendem melhor com métodos positivos, porque não precisamos de punir e magoar os nossos amigos caninos, porque criamos uma relação de amor e confiança… Porque não há nenhuma razão em fazer a mal o que podemos fazer a bem!
Na hora de escolher o treinador ou decidir como ensinar o cão a fazer as necessidades no sítio certo, lembrem-se que há dois métodos e escolham o melhor.

"Marley e Eu"


Ontem vi o filme na televisão. Claro que chorei baba e ranho na cena em que o cão morre.
Na parte em que levam o Marley às aulas de treino não sei se tive mais vontade de rir ou de chorar. É que a treinadora fez tudo o que não se deve fazer. Claro que o resultado tinha de ser mau!
Bem sei que é só um filme, mas cenas destas repetem-se na vida real. Treinadores que pedem ao cão para sentar, antes de lhe ensinar o que significa sentar, que enchem a boca com teorias da dominância e usam o termo “alpha” a torto e a direito, que tentam dominar os cães pela força…
Infelizmente, quando se procura ajuda para ensinar um cão, temos grandes hipóteses de receber este tipo de aconselhamento. Já vi acontecer tantas vezes que até dói!
Já me aconteceu a mim! Estava desesperada com o Martin, um cão de tamanho gigante que me arrastava pela trela. Perdi a conta às vezes que me estatelei no cão, nas minhas pernas as nódoas negras competiam com os arranhões e esfoladelas por cada centímetro quadrado de pele. Levá-lo à rua era um stress. Quanto mais me custava, menos vontade tinha de o passear, e quanto menos o passeava, mais complicados eram os passeios.
Um dia, depois de ser arrastada durante uns metros pelo Martin, ele parou a cheirar um canteiro e, no chão, estava um folheto de um treinador. Mal cheguei a casa liguei para ele. Não pensei se havia mais que uma teoria sobre treino de cães, não me interroguei sobre os métodos desse treinador, não fiz juízos de valor, não fui crítica. Estava desesperada e só queria poder passear o cão sem cair.
Hoje sei melhor!
Compreendo que o desespero e a frustração podem levar a escolhas cegas, compreendo perfeitamente. É por isso que sou uma chata que bate e insiste na mesma tecla sempre que tenho oportunidade; antes de escolherem o treinador, escolham o método de treino!
Acho que foi num site de um treinador positivo que li um comentário do autor do livro “Marley e Eu” em que ele dizia que se tivesse tido acesso a esse conhecimento antes, teria poupado muitos problemas na vida, claro que também não teria escrito o livro!

Lady Quimera

Tenho saudades de acordar com uma ideia na cabeça e vir para o computador escrevê-la e postá-la no blogue. Não o tenho feito, não tanto por fala de ideias como por falta de tempo. As manhãs são passadas tratar dos cães, que têm sido muitos, felizmente.
Hoje o dia acordou mais calmo, basicamente só cá estão os cães da casa, e parece que também eles se sentem gratos pela tranquilidade depois de tantas festas, tanta gente, tantos cães…
Tenho vivido várias histórias que sinto vontade de partilhar convosco e espero que a acalmia de Janeiro me permita vir aqui contá-las.
Para hoje, escolhi uma história muito linda, a história da Quimera.
A Quimera é uma cadela feliz, igual a tantas, que foi adoptada de um canil ou de uma associação, não me lembro, e que tem sido amada, mimada e bem tratada ao longo da sua vida. Passou cá cerca de três semanas em Dezembro e correu tudo muito bem, ela é uma Lady, porta-se maravilhosamente e é uma comunicadora extraordinária. Foi um prazer recebê-la.
O que a história dela tem de especial é o cuidado que tiveram com a sua adaptação.
Ia contar como a dona da Quimera a trouxe cá várias vezes para ela se adaptar, mas antes tenho de abrir um parênteses para explicar que detesto a palavra dono(a) porque odeio o conceito de sermos donos dos cães. Nós não os possuímos, mesmo que os tenhamos comprado, apenas somos responsáveis por eles. Se tivermos a noção que os cães não são nossos, que apenas temos a responsabilidade pelo seu bem-estar, talvez a nossa compreensão se aproxime mais da realidade. Raramente digo “os meus cães”, refiro-me a eles como os cães que vivem comigo ou, melhor ainda, os cães com quem tenho o privilégio de partilhar a minha vida. Já reparei que algumas pessoas também evitam a expressão dono, uma pessoa que conheço diz que é a amiga do cão ou que é a menina dele. Eu andava a pensar substituir a palavra dono pela expressão “pessoa responsável” ou simplesmente PR, mas poderia confundir-se com Public Relations e achei que a moda não iria pegar. Depois, encontrei num site brasileiro, uma expressão que me agradou imenso: tutor. É uma palavra curta, simples, explícita. Adoptei-a. De agora em diante, vou usá-la sempre. Podemos ser donos de casas ou de carros, dos cães somos amigos ou tutores. Ponto. Fecha parêntesis.
Voltando à Quimera. A tutora veio cá uma primeira vez com ela para me conhecer e conhecer o espaço. Combinámos que viria cá uma outra vez para deixar a Quimera comigo durante umas horas. Trouxe-a de manhã e veio buscá-la à tarde. Veio uma terceira vez para passar a noite. Só depois de todas estas visitas de adaptação, a Quimera ficou uma temporada larga, cerca de três semanas, enquanto a tutora foi de férias.
Toda esta preparação era necessária? Não. Claro que não. Muito menos com a Quimera (adoro o nome) que é uma cadela sem traumas, confiante na vida e nas pessoas.
Apesar de não ser necessária, adorei que tivesse sido feita. Por duas razões, a primeira, porque o cuidado posto na adaptação do cão ajuda a que ele se sinta melhor; a segunda, e mais importante, porque demonstra um grande amor!
Uma das vertentes mais maravilhosas do meu trabalho é ver a relação dos cães com os seus tutores, ver como as pessoas os amam, como se preocupam com eles… Não há maior regalo que ver um cão amado!
Ainda noutro dia, uma senhora me explicava, os cães são como se fossem da minha família e eu não deixaria que tratassem mal nenhum membro da minha família! Claro que não. Eu também não deixaria!
Escolhi esta vida por paixão, paixão por cães, por todos os cães (não só pelos que vivem comigo). O meu objectivo e o meu desafio constante é tornar a estadia dos meus hóspedes o mais agradável possível. Quero que se sintam bem, que se divirtam, que não tenham vontade de se irem embora. Quero que voltem de cauda a abanar de contentamento. Tem sido o meu objectivo nos últimos anos e continuará a sê-lo neste novo ano de 2011!

Bom ano para todos!

Lady Quimera
"Sempre que um cão sai das minhas mãos para uma nova família, desejo que o tratem tão bem, ou ainda melhor, que eu. Desejo que compreendam que o cão não entra na suas vidas para os fazer felizes, mas, inversamente, a ideia é eles fazerem feliz o cão."