Um pequeno milagre

Nikita no campo

A história da Nikita.
Não sei como a Nikita foi parar ao canil municipal de uma cidade perto de Lisboa. Sei que nesse canil trabalha um grupo de voluntários com o objectivo de promover as adopções dos animais que lá estão.
Foi com a ajuda desse grupo de voluntários que a Nikita foi adoptada por uma família. Ao fim de três meses foi devolvida.
Não interessam os motivos que pretendem justificar uma devolução. Já ouvi de tudo. Até já ouvi alguém dizer que devolvia o cão porque “tinha de o levar à rua”! Depois disto, deixei de ouvir as justificações. Que me interessa se o cão é devolvido por fazer as necessidades na rua ou por fazê-las em casa? Que significado tem a família ir mudar-se para uma casa onde não pode ter o cão? Significa só que a família em questão não teve o cuidado de procurar uma casa onde o cão fosse aceite, ou onde houvesse espaço para ele. Significa que não houve um verdadeiro compromisso e que, à menor dificuldade, o cão é descartado como se fosse uma pastilha elástica já mastigada.
Quando olhamos para a Nikita, vemos o resultado de se descartar um ser não descartável! Está triste, desconfiada, amedrontada. Olha para mim sem saber se a mão que lhe estendo vai bater ou acariciar, e nesse olhar há uma tristeza tão profunda…
Hoje, eu e a Nikita fomos passear para o campo. Levei-a sem trela, com toda a confiança. Os cães que sofrem o trauma do abandono não correm o risco de perder de vista o dono, mesmo quando é um dono temporário como eu, mesmo quando é um dono que só conheceram ontem.
Nos primeiros metros a Nikita avançou timidamente. A cheirar tudo. Receosa.
Podem argumentar que todos os cães cheiram tudo. Podem perguntar como é que sei que ela estava receosa. Sei. Os cães são seres extremamente expressivos e, quando estamos habituados a lidar com eles todo o dia como eu estou, quase lhes podemos “ler” os pensamentos.
Não sei exactamente quando nem porquê a Nikita percebeu que estávamos só a passear, que eu não a ia levar para longe para a abandonar, que podia correr e saltar por onde lhe apetecesse.
A verdade é que percebeu e a postura da cabeça mudou, o ritmo do andar mudou: às vezes corria, outras parava, outras saltitava contente.
Correu pela vinha, saltou pela vegetação do pinhal, cheirou as tocas dos coelhos, farejou o vento.
Quando chegámos a casa, a Nikita era outra. Bebeu e comeu como se fosse a água dela e a comida dela e tivesse todo o direito a fazê-lo. Deitou-se em cima do sofá com a confiança de quem sabe que se pode deitar em cima do sofá.
A Nikita que chegou a casa era uma cadela muito mais confiante que quando saiu. Foi um pequeno milagre.

3 comentários:

Anônimo disse...

A Nikita é uma menina linda que merece muito carinho. É preciso garantir que os próximos donos a vão tratar muito bem.

Isabela

Ana Alvarenga disse...

Cheguei aqui hoje através d'O Mundo Perfeito e já me emocionei, claro! Também tenho alguns filhos "não biológicos", de 4 patas, todos recolhidos da rua e vivi na 1ª pessoa esta vivência. Parabéns pelo projecto!

Doggy Palooza disse...

Tela, seja bem vinda! Obrigada pela visita e parabéns pelas a"adopções".

"Sempre que um cão sai das minhas mãos para uma nova família, desejo que o tratem tão bem, ou ainda melhor, que eu. Desejo que compreendam que o cão não entra na suas vidas para os fazer felizes, mas, inversamente, a ideia é eles fazerem feliz o cão."