Adopções

Uma das minhas irmãs vive relativamente perto de um orfanato. Ninguém chama orfanato, dizemos colégio, à casa que uma instituição religiosa fundou há muito tempo para recolher crianças cujos pais tivessem sido vítimas de tuberculose.
A tuberculose deixou de ser um mal social, e a casa passou a receber os filhos da pobreza, da toxicodependência, do alcoolismo… A maior parte das crianças são entregues pelos familiares, algumas vão para lá por ordem do Tribunal de Menores.
Estou a contar isto porque essa irmã se envolveu com o projecto e toda a família foi atrás (nós somos esse tipo de família que partilhamos tudo: os problemas, as alegrias, as tristezas, os projectos). Cada uma de nós (sim, somos uma família de mulheres) se envolveu de maneira diferente; a V. ia passar tempo e brincar com os mais pequenos, a J. e a F. ajudavam as mais crescidas com os trabalhos da escola, a M. ia buscar 3 ou 4 crianças e lavava-as a passear ao Jardim Zoológico, ao campo, à piscina…
Eu optei por acompanhar uma criança e trazê-la aos fins-de-semana para minha casa. Lembro-me a primeira vez que lá fui. Já conhecia as crianças mais pequenas pela discrição da V., mas era-me completamente impossível escolher uma entre tantas, todas a precisar de apoio. Quando a freira me perguntou qual é que eu queria trazer comigo esse fim-de-semana, pedi-lhe que fosse ela a escolher a que precisava mais. Escolheu o H. dizendo-me para estar descansada que ele já não fazia as necessidades nas calças – é que estas crianças demoram muito a conseguir controlar as idas à casa de banho…
Quando decidi adoptar um cão ou cadela, senti a mesma dificuldade: como escolher entre tantos que precisam?
Se é fácil para a maior parte das pessoas perceberem a minha impossibilidade de escolha em relação às crianças, talvez não seja tão fácil perceberem a mesma dificuldade em relação a um animal. Mas é exactamente igual.
Falei com a Anabela e pedi-lhe ajuda para escolher entre os muitos cães que foram retirados do ex-abrigo de Vila Franca de Xira considerados dificilmente adoptáveis devido à idade ou ao tamanho. Era a Anabela a fazer-me perguntas e a tentar descobrir o que eu queria e eu a passar a bola para ela; desde que se dê bem com o Manuel e não faça mal à gata…
A feliz contemplada nessa lotaria tão injusta foi a nossa Girassol. Digo nossa porque esta menina tem conquistado muitos corações além do meu. Quem a vê (tão linda), quem a conhece (tão bem comportada) dificilmente pode imaginar que o seu previsível destino era passar o resto dos seus dias num abrigo, junto a muitos outros cães na mesma situação.
Estão lá cerca de 50 cães tão lindos e maravilhosos como a nossa Girassol à espera de alguém que lhes contrarie o destino. Penso neles muitas vezes e gostava que mais pessoas pensassem neles também.
Para terminar a história em beleza: o H., aquele menino de olhos no chão que já não fazia xixi na cama, que trouxe comigo nesse fim-de-semana há tantos anos, tornou-se um jovem adulto, lindo, maravilhoso, orgulho do meu coração de mãe, que eu amo tanto, mas tanto, tanto...

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu imagino o quanto é difícil escolher um de entre muitos... embora não me dê a esse incómodo, pois, estes safados, já me conhecem e vêm abandonar, aqui ao meu portão! Na volta, sou eu que tenho de os reencaminhar para o abrigo, onde apesar de tudo ficam nas mãos de um bom profissional, (vet.) e de pessoas muito humanas! já cheguai a ter nove conjuntamente e quase todos cadelas de grande porte... são os mais difíceis de adoptar... Hoje em dia tal é impossível!
Mas ainda tenho quatro cadelas e quatro gatos! Uns verdadeiros cromos.
Quanto à sua iniciativa, é louvável! Parabéns. E lá vai mais uma frase: "O cão é um verdadeiro senhor. Quando morrer quero ir para o céu dos cães, não para o dos homens"- Mark Twain

Isabela Figueiredo disse...

nunca me tinhas contado como tinha sido.

Doggy Palooza disse...

Isabela, meu amor, há tantas historias que temos para contar uma à outra...

"Sempre que um cão sai das minhas mãos para uma nova família, desejo que o tratem tão bem, ou ainda melhor, que eu. Desejo que compreendam que o cão não entra na suas vidas para os fazer felizes, mas, inversamente, a ideia é eles fazerem feliz o cão."