Cosmos

Uma das minhas sobrinhas telefonou-me:
- Ó tia, está aqui um cãozinho abandonado, ia a passar na estrada e quase que o atropelava. Estão aqui uns senhores que vieram trazer água e comida, dizem que ele já está aqui há mais de uma semana…
Fui lá ter. Era um cão pequenino, tipo caniche mas mais bonito, com um pelo mais liso e comprido, preto, cinzento, manchas brancas no peito e nas patas.
Quando me viu, veio ter comigo e abraçou-se à minha perna.
Trouxe-o para casa. Tinha medo da reacção dele com a gata, mas nem lhe ligou. Sentei-me no sofá e ele encostou a cabeça nos meus joelhos. Depois as patas da frente. Foi trepando, aninhando-se, até que saltou e ficou todo no meu colo. Olhou para mim com uns olhos que pediam “deixa-me ficar aqui”. Eu deixei.
Foi a minha primeira vez, o primeiro cão da minha vida.
Chamei-lhe Cosmos apropriadamente; ele era o meu mundo e eu o mundo dele.
Era um cão perfeito, portava-se sempre bem, ia à rua sem trela, recebia-me todos os dias com uma efusão de alegria e lambidelas.
Estraguei-o com mimos. A minha irmã Zé ria-se e dizia:
– Quem o viu e quem o vê! Um cão tão bem comportado. Agora fica a ganir se não lhe fazemos todas as vontades.
Era verdade. Gania baixinho quando queria alguma coisa que não podia ter. Eu ficava feliz por o saber mimado, adorado, amado…
O cão mais doce do mundo.
Só se portava mal no veterinário e na tosquia. Aprendi a cortar-lhe o pelo com uma tesoura. Dividia a tosquia em quatro ou cinco sessões para não o stressar muito. Tinha medo. Não sei o que terá passado para ter ficado tão traumatizado. No veterinário, ficava uma fera, tentava morder todos e tremia de medo.
O veterinário disse que ele teria mais de dez anos. Tinha os dentes num estado lastimável. Foi anestesiado e arrancou os dentes que não se podiam salvar, entre eles um canino. A língua caía da boca pelo buraco que o canino deixou. Tinha um ar muito patusco, sempre de língua de fora.
O veterinário diagnosticou-lhe um pequeno sopro no coração. Nada de grave.
Era um cão feliz, corria e saltava como um cachorrinho. Costumavam dizer-me que parecia um cão de circo, tão alto ele saltava e tão inteligente era.
Com o tempo, o problema cardíaco agravou-se. Fez medicação, aumentou a medicação… Às vezes tinha crises. Ia ao veterinário receber oxigénio e imensas injecções. Melhorava. Trazia-o ao colo para casa e deitava-o na minha cama. Fazia xixi na minha cama e eu dizia-lhe que não fazia mal, que o que eu queria era que ele ficasse bom, que sobrevivesse, que continuasse na minha vida.
Um dia não sobreviveu. Quando cheguei a casa, só encontrei o corpo dele, rígido e frio, deitado na cama, com a língua de fora. Não posso falar da dor, não consigo. Ficou a memória da felicidade, a satisfação de o ter mimado tanto… Ficou o amor que é eterno.
"Sempre que um cão sai das minhas mãos para uma nova família, desejo que o tratem tão bem, ou ainda melhor, que eu. Desejo que compreendam que o cão não entra na suas vidas para os fazer felizes, mas, inversamente, a ideia é eles fazerem feliz o cão."